Oh, dor intransigente

O último a rir, Alain Tanner

Seu banheiro tem cheiro de viagem. A duração do que se passa nele tem a extensão dos seus projetos, parece um lugar deslocado que nos acolhe com o desdém particular do que é provisório. Não compreendo como você consegue habitar aqui como se o seu banheiro fosse efêmero. Suspeito o que quer dizer essa manifestação irônica dos seus lábios. Só posso responder, ou melhor, é o que eu gosto de responder: sem a suspeita do fim, o presente é eterno. Entendo, quase acreditei nisso uma vez. Mas como garantir que vai dar certo? De qualquer forma, até a consolidação do ato derradeiro, estivemos presentes. Se Adão e Eva tivessem morrido simultaneamente, até hoje se acreditariam imortais. Olha esse mofo, essas goteiras. Aqui tudo se passa como se houvesse um outro lugar, que verdadeiramente importasse, que fosse o destino consolidado da sua morada. Não duvido da consolação do transiente. O problema é que ele não fica pra trás, não há o depois dele. É como se andássemos sobre uma esteira rolante. Ingênuo? Na verdade, às vezes me sinto um pouco ridículo. O que posso fazer pra tentar te convencer é mostrar o meu banheiro. Pra você ter uma ideia, a porta debaixo da pia não abria quando a porta de entrada estava aberta. Deu um trabalho dos diabos colocar uma porta de correr, mas agora me desloco com uma fluidez inefável lá dentro. Parece até que estou patinando no gelo, apesar de nunca ter visto a neve. Agora nada está muito longe, e o que me falta se insinua alcançável. Muitos dão de ombros quando veem aquilo tudo — por isso a sensação de ridículo, não que eu me sinta sem razão. Você seria capaz de me convencer do contrário? Eu me coloco aberto às opiniões, só que os argumentos costumam ser ruins. Assim não vale, isso é mais do que se abrir. Se eu me colocasse no seu lugar, não haveria mais o que deveria ser convencido. Não, não é isso que estou pedindo a você. Quero que apenas fique aqui, ao meu lado, diante do banheiro. Sente esse cheiro? Agora podemos começar.