Ficção • Apresentação

A ficção é uma escrita sem evidência. Pelo menos é assim que a encaro quando a experiencio, principalmente quando estou na parte ativa desse processo. Ao contrário dos anos em que escrevi a não ser diante de uma meia dúzia de livros abertos, tentando formular uma frase que não traísse sua razão de ser, para mim, escrever ficção é um davaneio dos dedos, um levar-se pela euforia do exprimível sem olhar para os lados.

Resta-me ainda compreender por que o depósito de expectativas reservado a um escritor é maior do que os de outras atividades. Se digo que começarei a tocar saxofone, dificilmente alguém tomará isso como um desafio tácito de me tornar o próximo Bird ou Coltrane. No entanto, aquele que se coloca na posição de escritor logo é atravessado por olhares desconfiados. Seria porque todos nós sabemos escrever, mas não sabemos escrever como imaginamos o que se espera disso, de modo que o escritor que sai da gaveta seria, além de um atrevido, a lembrança dessa frustração? Ou seria porque a escrita exige a leitura, ou melhor, a participação ativa (e às vezes desgastante) de um espectador? Não sei, sei apenas que escrevo como quem escova os dentes.

Assim, minha pretensão — a esperança dos orgulhosos? — é depositar aqui um texto por mês. O roteiro não me é inédito: as horas transbordam sobre os dias que se acumulam, e o urgente se transfigura no ressentimento que nos aflige na procrastinação percebida na hora errada. Este projeto se configura como a expectativa de um futuro que se coloca no passado para se ver melhor. Encaro-o como uma história que conto sobre o que quase terei feito. Mais do que tudo que abandonei, sou a soma do que ainda vou desistir.

(Talvez eu tenha um dente a mais no meu sorriso caso descubra que a sua leitura deslocou sem remorso a sua atenção.)