Contra paredes

quero

Por toda parte, as pessoas se comprimiam contra paredes. As que desejavam mudar de lugar andavam com pressa e de alguma forma improvisavam uma proteção. Atento ao limite que dava forma à multidão, tomou coragem e esticou o braço, mas o recolheu assim que sentiu aquela coisa amorfa se espatifar na sua pele. Esfregou numa reação involuntária a mão na camiseta, que como mágica transferiu para si esse troço que parecia se adaptar a tudo. As pessoas ao redor estavam em silêncio, a não ser as que talvez já se conheciam — e o que falavam não tinha nada a ver com o espetáculo estrondoso que parecia ter ocupado toda a cidade. Ninguém chorava ou sequer soltava um resmungo. Chegou a ensaiar algumas vezes uma abordagem, mas os olhares fixos, sem direção aparente, o intimidaram. “Não deve ser a primeira vez que acontece, não mesmo. Deve passar, deve passar”, disse para si enquanto sua atenção era dominada pelo fluxo que denunciava em pouco tempo ultrapassar a altura do meio-fio.