Mandatário
Não consigo me ver, por mais que me descrevam. Também não consigo ver onde estou, a despeito do lugar ser conhecido ou bem construído pelas palavras à minha volta. Mas existo, mesmo que não seja como inadvertidamente pensam que existo. Aliás, essa é a questão: se não pensassem que existo, existiria como de fato existo — quer dizer, eu só existiria como de fato existo. Daqui a uns anos, provavelmente só existirei assim. E daqui a uns milhares de anos, deixarei de existir. Não sou uma ilusão. Ocupo um espaço, posso ser sentido e, como já disse, tenho uma duração. Sou uma espécie de pretexto, uma via — às vezes equivocadamente tomada por incompreensível. No entanto, o que vale, no final das contas, é o destino prometido, que pode ser alcançado por diferentes caminhos. E aqui entra o motivo para discussões acaloradas. Alguns dizem que sou o próprio destino, que ele é o agregado das minhas partes que estão por aí; outros, que o destino para o qual aponto independe de mim, que a sua dimensão me ultrapassa infinitamente. Para ser sincero, pode até ser que isso seja verdade, mas não consigo imaginar alguém chegando a algum lugar sem antes passar por mim. Não me expresso assim por soberba, acontece que minha presença é inevitável na própria formulação do que me supera. No fundo, acredito que o problema esteja em me identificar. Por um lado, porto o infinito, por outro tenho o tamanho da matéria. Neste caso, me explicar é fácil: sou o que podem perceber de mim. Contudo, pode-se levar mais do que uma vida para se compreender o que represento. Por isso não é de se estranhar que me tomem por uma ilusão. É quase inevitável olhar para “montanhas em chamas” e ver montanhas em chamas.